Mal o jogo termina, Rogério Ceni já recebe todas as indicações de Rui César: segredos, táticas e estratégias do adversário seguinte. Enquanto a equipa recupera da partida, o analista leiriense já está um passo à frente, a garantir que nada escapa à preparação do próximo desafio. Desde janeiro, o Bahia já disputou 66 encontros — e a intensidade não dá tréguas.
É esta a vida do leiriense Rui César Mendes, 40 anos, nascido nas Chãs, analista de desempenho do Esporte Clube Bahia, um dos clubes mais poderosos do Brasil, treinado por Rogério Ceni, o mítico guarda-redes que se tornou treinador de sucesso.
Formado na União de Leiria, com passagens pelo Casal Novo, Bidoeirense e Santo Amaro, Rui César estava em Coimbra, a estudar Ciências do Desporto, quando partiu em Erasmus para Salvador da Baía. Um ano que acabou por se tornar uma vida.
Portugal atravessava uma crise em 2008 quando recebeu o convite para trabalhar na Secretaria do Desporto do Estado da Baía. O Brasil preparava a organização do Mundial 2014 e queria dinamizar o futebol local, apostando na formação de treinadores e na descoberta de talentos do interior. Rui aceitou e nunca mais parou.
Em 2016 entrou no Vitória, como analista. No ano seguinte mudou-se para o rival Bahia, onde permanece até hoje. Primeiro nas camadas jovens, agora na equipa principal, sempre ligado à análise de jogo e ao estudo dos adversários.
“Costumo dizer que ando sempre um jogo à frente da equipa. No final de um jogo já tenho de ter o relatório do próximo adversário pronto. Em média, observo quatro jogos do adversário antes de apresentarmos o plano ao treinador.”
A rotina é exaustiva: viagens constantes, relatórios minuciosos, reuniões diárias com Rogério Ceni. Campeão brasileiro em 1959 e 1988, o Bahia, agora pertencente ao City Football Group, como o Manchester City, o Girona, o Palermo ou o New York City, já viveu este ano a experiência da Copa Libertadores e da Sudamericana, competições que Rui descreve como “sensacionais”. Jogaram até a 3.700 metros de altitude, na Bolívia, frente ao The Strongest, um desafio que deixou marcas físicas, mesmo sem ter entrado em campo.
Apesar das eliminações nas competições continentais, a época tem corrido de feição. O Bahia conquistou o Campeonato Estadual e a Copa do Nordeste e encontra-se no 6.º lugar do Brasileirão, a iniciar a segunda volta. O objetivo está bem definido: terminar nos quatro primeiros e garantir o acesso direto à próxima Libertadores.
Para dar um exemplo da intensidade competitiva, o Bahia, vencedor do campeonato estadual em 51 ocasiões, joga esta quarta-feira no Rio de Janeiro com o Vaco da Gama, no domingo recebe o Palmeiras em Salvador e, na quinta-feira seguinte está novamente no Rio de Janeiro para defrontar o Botafogo. São 1300 km para cima e para baixo.
Entre partidas e viagens, Rui César mantém, esta semana, o mesmo espírito com que chegou há quase vinte anos. “Foi um choque cultural enorme, mas sou um camaleão. Se te dão limão, fazes limonada. Hoje estou completamente adaptado.”

Casado com uma brasileira, continua a ter Portugal como porto de abrigo. Todos os dezembros regressa às Chãs, a Leiria e a Lisboa para reencontrar família e amigos. “Se há 20 anos me dissessem que estaria a fazer o que faço hoje, diria que seria muito difícil. Mas fui aproveitando cada oportunidade que apareceu.”
De Leiria para o Brasil, Rui César prova que o futebol é feito de talento, mas também de quem estuda, observa e prepara o caminho. É no detalhe silencioso do analista que muitas vitórias começam a ser desenhadas.