Que em Leiria o andebol é coisa de família já toda a gente sabe. Ainda por estes dias falámos de Rita Campos, campeã nacional sénior pelo Benfica, que, 38 anos depois, repetiu o feito do pai, Álvaro, então pelos juvenis da Sismaria.
Hoje, falamos doutro caso desses. João Marques era colega de Álvaro nessa equipa e no passado fim de semana viu o filho João Eduardo conquistar a Liga Europeia de andebol, também pelo Benfica.
Aos 29 anos, João Eduardo não o conseguiu como jogador, mas não é por isso que o seu trabalho deixa de ser essencial para a equipa de Chema Rodriguez.
Porquê? É ele que descobre as fraquezas e as forças dos adversários.
Ainda antes do jogo decisivo de domingo contra um Magdeburg acabado de ganhar o Mundial de clubes, analisou nada menos do que “sete jogos da equipa alemã” e apresentou um relatório ao treinador.
Depois, durante a partida que se disputou na Altice Arena, em Lisboa, continuou a observar o adversário, tentando perceber “mudanças de comportamento” relativamente à forma como habitualmente jogam.
Por outras palavras, se “criaram algo novo”, tanto no ataque como na defesa, especificamente para aquela partida.
É, no fundo, um jogo do gato e do rato, numa tentativa incessante de surpreender o adversário sem ser surpreendido.
Ao intervalo, João Eduardo rumou ao balneário, onde explicou como percepcionava o jogo de um ângulo completamente diferente daquele que o treinador espanhol tem no banco de suplentes.
Um trabalho “extremamente desafiante e motivador”, porque sente-se “útil” enquanto elemento da equipa técnica.
A informação que recolhe é, naturalmente, bem recebida. “Foi um processo, mas já me reconhecem competências. Às vezes, o treinador usa as informações que deixo. Outras vezes não. A última palavra é sempre dele.”
Faltavam cinco minutos para a partida terminar e este ex-pivot formado na Sismaria, como o pai, mas que também jogou nos encarnados, deixou o lugar na bancada e aproximou-se do campo.
Mas o jogo terminou empatado e teve de se recorrer a um prolongamento, onde se joga “mais com o coração do que com a cabeça”, para se decidir quem levava a segunda mais importante competição europeia de andebol masculino para casa.
Foi mesmo o Benfica, que, “milagre após milagre”, como admitiu o treinador, venceu por 40-39.
O andebol é assim, proporciona momentos de grande alegria e para João Eduardo nem são necessárias grandes vitórias para retirar o melhor desta “paixão”.
O sal da vida continua a ser-lhe dado pelos amigos que são, invariavelmente, originários do tempo da bola na mão.
Mas estar ao pé de um treinador como Chema Rodriguez, que foi um dos melhores jogadores mundiais em equipas como o Vezsprém ou o Ciudad Real, dá outra dimensão à modalidade. Pelo “processo de jogo”, “pelo nível de jogo” e por perceber que “tudo tem um propósito”.
Apesar deste triunfo “histórico”, para o pai João, que chorou de alegria naquelas bancadas, o menino cresceu, fez-se homem, trabalha bem, mas será sempre o mesmo que, com pouco mais de um ano, já brincava com os jogadores que orientava nos intervalos das partidas da Sismaria.
Ricardo Simões
3 Junho, 2022 @ at 22:04Ler o jogo e a mente do adversário são virtudes de pai e filho. Em todo o percurso desportivo tanto como atletas como treinadores essa virtude foi sempre evidente pela forma como reagiam e se relacionavam com todos os intervenientes do jogo.