Os colegas de treino no CrossFit Leiria observam-no com admiração, algo que João Jerónimo nem aprecia particularmente, já que pretende ser visto apenas e só como “mais um” atleta da box.
“Dizem que é fora do normal, que sou uma força extraordinária, mas não gosto de ver as coisas assim”, admite o andebolista da seleção nacional que, a partir de sexta-feira, disputa, em Leiria, o Campeonato do Mundo e da Europa de andebol em cadeira de rodas.
A verdade, porém, é que é mesmo surpreendente a facilidade com que faz os exercícios, o equilíbrio que conquistou, a força que tem e a agilidade que demonstra apesar de lhe ter sido amputada a perna direita aos 15 anos após um acidente com uma empilhadora.
Um infeliz acaso que o obrigou a deixar de fazer o que mais gostava, precisamente jogar andebol. Mas depois do choque fez-se à luta, sem lamúrias.
“Não há limites” para este jogador da delegação de Leiria da Associação Portuguesa de Deficientes (APD Leiria) e mesmo que tenha outras coisas para fazer, João Jerónimo, embaixador de Leiria, Cidade Europeia do Desporto, vai ao CrossFit Leiria todos os dias, chova ou faça sol. “Menos ao domingo”, vá. E ainda tem os treinos e jogos de andebol, que também não são poucos.
Foi na box que, há oito anos, o atleta encontrou a forma de potenciar as capacidades do corpo e, assim, minimizar o handicap que o acidente lhe provocou. “Estava muito pesado e cheguei a partir próteses por excesso de peso. Queria algo que me estimulasse, não apreciava o ginásio, fui experimentar e gostei.” Hoje, pode dizer que perdeu 40 kg, ganhou força e muita mobilidade graças ao trabalho específico orientado por Rodrigo Couto.
O treinador não esconde que a chegada de João Jerónimo à box foi um “desafio muito grande”, “um misto de medo de falhar e, ao mesmo tempo, aquele nervoso miudinho estimulante”. Contudo, rapidamente perceber que todos iam ganhar com o facto daquela pessoa expor abertamente as debilidades.
“Ele aplica no treino a resiliência mental que tem, por tudo o que passa e teve de passar na vida, o que é extremamente inspirador para as outras pessoas, que percebem que ele faz o que os outros fazem e não precisa de pedir ajuda a ninguém.”
Toda esta dedicação vai ter consequências positivas no seu “futuro bem-estar”, mas também tem reflexos imediatos no andebol. Mais ágil, mais forte e mais eficaz, o jogador de 33 anos consolida o seu lugar entre as referências internacionais na modalidade, ele que é o melhor marcador da história da Taça da Europa da modalidade, competição cuja edição de 2018 decorreu em Leiria e que Portugal venceu.
Mas a bola está quase a rolar. Na sexta-feira, pelas 10 horas, entra em ação na primeira edição do Mundial, frente aos Países Baixos, no pavilhão dos Pousos. Com “muitas ganas” que a competição comece, não esconde querer dar a Portugal e a todos os seus colegas um prémio especial.
“Temos vindo a trabalhar para conseguir ganhar. Acredito que é possível. Só temos de estar concentrados e dar tudo. Estar nesta prova já é um sonho, mas jogar em Leiria, que é a Cidade Europeia do Desporto, e é a minha terra, seria a cereja no topo do bolo.”
Naturalmente, estas coisas envolvem muita emoção. Ouvir A Portuguesa antes dos jogos, por exemplo, é algo que mexe com ele e “muitas lágrimas” correm-lhe pela minha face.
“Parece que toda a minha vida rebobina num minuto: antes do acidente, depois do acidente, durante o acidente. É um momento potente e é espetacular entoar o hino com os meus colegas, que também passaram por situações complicadas. Independentemente dos resultados, temos de estar orgulhosos pelo que conseguimos.”