“Era um dia horrível para jogar à bola. Chovia que doía e o campo estava enlameado.” Ainda assim, Cátia Bento (a primeira atleta em baixo a contar da esquerda) estava feliz por viver aquela “experiência incrível”.
Passaram 21 anos. Naquele dia 21 de janeiro de 2002, em Rio Maior, tornou-se na primeira futebolista da região de Leiria a envergar a camisola da principal seleção nacional de futebol feminino.
Dotada de uma “velocidade incrível”, de boa “qualidade técnica” e um “pé direito canhão”, a jogadora destacava-se com a camisola do Grupo Desportivo de Monte Real que, no início do milénio, era das boas equipas nacionais.
O selecionador Nuno Cristóvão gostava das aptidões da jovem Cátia Bento, de 20 anos, e convocou-a para o Torneio Internacional Vale do Tejo. “Foram duas semanas incríveis num mundo que nunca tínhamos tido num centro de estágio espetacular.
Naquela partida, as portuguesas bateram as gregas, por 3-0. Cátia Bento tinha 20 anos e jogou os primeiros 59 minutos. “Foi uma boa experiência. Costumo dizer que foi bom, mas não foi aquilo que estava à espera e não ambicionei voltar. Faltou espírito de grupo”, conta a ex-futebolista, cuja paixão pelo pontapé na bola vinha da família.
A avó, de 87 anos, chegou a jogar futebol na Amieira, no concelho da Marinha Grande, a mãe também. Cátia andava na patinagem, mas estava “farta”, porque o que gostava mesmo era de futebol. “Fossem intervalos da escola ou férias de verão, o tempo era passado a jogar futebol com os garotos.”
Pediu, por isso, ao pai, que também tinha sido jogador, para criar uma equipa. “Jogava com a mãe, com a tia e com as amigas”. Tinha 16 anos e depois de uma experiência no futsal do Leiria e Marrazes acabou por fazer um teste no Boavista e ficar.
Depois de duas épocas regressou à região para vestir a camisola do Grupo Desportivo de Monte Real e a adaptação foi muito boa. “Era um campo pelado gelado e íamos de gorro e cachecol para treinar, mas era engraçado. Não tínhamos muitas condições em termos de campo e balneário, mas a direção fazia tudo por nós. Havia uma carrinha para nos ir buscar e levar. O treino acabava às dez e chegávamos à casa à meia noite.”
A vestir de amarelo criou “uma família” que ainda hoje se junta. “E a equipa era boa: tínhamos o pé esquerdo da Susana Marques, a qualidade da Luciana Garcia, a velocidade da Joana Pires e a raça da Isabel Osório. O único problema é que nunca ganhámos nada.”
Duas décadas passaram e hoje o futebol feminino é encarado de forma diferente. Tanto, que Portugal está neste momento – e pela primeira vez – a disputar o Mundial.
Mãe da nadadora Ariana Carapinha, Cátia Bento acredita que a entrada do Sporting e do Benfica acabou por mudar mentalidades. “Não havia profissionalismo. As pessoas trabalhavam e só depois iam treinar. E também havia pais que não aceitavam: tinha amigas que tinham de mentir para ir treinar, dizia-se que era um desporto de homens e não de mulheres.”
Hoje, já não serão muito progenitores a colocar entraves. “Cada vez mais, filhas de minhas amigas me perguntam onde devem meter as filhas a jogar à bola. Ainda por cima, começam com os rapazes e evoluem muito mais.”