Quando a corrida se torna voz: pais lançam trail solidário em Leiria para dar visibilidade ao autismo

Há histórias que nascem do lugar mais íntimo: o da resistência diária. O Trail Social Run For Autism Portugal surge daí — da experiência de Tiago Gaspar e de Maria João, pais de uma criança de 6 anos, que encontraram no desporto um fio de luz onde, por vezes, o dia parece não ter saída.

A ideia não chega por acaso. Chega depois de muitos dias incertos, daqueles em que não se sabe como começa a manhã, muito menos como termina a noite. Chega depois de atravessarem, como o próprio Tiago descreve, “buracos sem luz ao fundo do túnel”. E é dessa vivência que nasce o movimento Run For Autism e esta primeira edição do trail solidário, marcada para este domingo, às 8h30, com partida na Tosel, Soutocico, Leiria.

O desporto tornou-se ferramenta e refúgio. Um lugar onde a rotina ganha espaço para respirar. Tiago correu mais de 500 quilómetros entre 1 de setembro e 30 de outubro, numa espécie de diário feito a partir dos pés, para mostrar que o autismo não se apaga por decreto, mas pode ser enfrentado com mais força quando existe partilha.

A mensagem é simples e profunda: ninguém precisa de caminhar sozinho. Pais, avós, auxiliares, familiares — todas as pessoas que lidam com o autismo encontram aqui um ponto de encontro. Um lugar seguro onde se compreende que uma crise não é desrespeito, que um desafio não é descontrolo, que uma criança não é menos por ser diferente. É, simplesmente, uma criança.

O percurso que a família tem feito é acompanhado pela confiança numa pré-escola pública competente, mas também pela perceção de que ainda faltam apoios e de que, muitas vezes, é preciso procurar sem esperar que alguém venha oferecer soluções. É dessa autonomia, quase forçada, que nasce a vontade de transformar a experiência individual em utilidade pública.

A resposta da comunidade mostra que o caminho faz sentido: cerca de 300 pessoas já garantiram presença, num evento gratuito, aberto a todos e não competitivo. Há duas distâncias — uma caminhada de cerca de seis quilómetros e um mini-trail de dez — suficientes para que cada participante encontre o seu ritmo e o seu lugar.

Mais do que uma prova, é um gesto coletivo. Uma forma de dizer que o autismo não é uma doença, mas uma neurodivergência, e que a sociedade ganha quando aprende a olhar com mais cuidado. A iniciativa conta com vários parceiros, entre eles a multinacional Bimbo, através do programa Bom Vizinho, que se juntam ao propósito de dar visibilidade, acolhimento e voz a quem tantas vezes sente que vive à margem do entendimento dos outros.

No fundo, este trail é isso: uma manhã para correr, caminhar e escutar. Uma manhã onde se reconhece que os problemas não desaparecem, mas podem tornar-se mais leves quando há mãos estendidas e histórias que se cruzam. Uma manhã para, juntos, abrir espaço à empatia.

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