Há um ponto na Caranguejeira que vive na memória de Tiago Dekie como um lugar de origem e pertença. Não foi lá que nasceu — foi numa pequena aldeia belga chamada Egem — mas é em Longra que guarda as melhores recordações da infância. É ali que, todos os anos, desde sempre, regressa com o mesmo sentido de casa.
Filho de Marlene Santo, de Leiria, e de Gunther Dekie, antigo atleta de alto nível que representou várias vezes a Bélgica em campeonatos internacionais, Tiago vive com naturalidade entre dois mundos. Estuda Economia e Línguas Modernas, joga futebol numa equipa da terceira divisão belga, treina atletismo ao mais alto nível… e vai representar Portugal no Festival Olímpico da Juventude Europeia, de 19 a 27 de julho, na Macedónia.
Sim, Portugal. Porque ser de cá não é só uma questão de código postal.
No próximo FOJE, Tiago correrá com a camisola de Portugal nos 400 metros — a distância onde, diz quem o conhece, começa a surgir a herança. O pai, especialista na mesma prova, foi cinco vezes campeão nacional da Bélgica e bateu, à sua idade, o recorde nacional de sub-18 com 47,80 segundos. Tiago ainda não chegou a esse tempo. Mas está perto. E o futuro tem linha de meta para lá da comparação.
“Dizem que está nos genes”, ri-se Tiago. “O meu pai foi um grande atleta e, felizmente, o meu irmão Telmo também está a seguir o caminho. Isso motiva-me a trabalhar ainda mais.”
Mas não é só genética. Tiago destaca-se porque escolheu não escolher. Porque quis fazer coexistir futebol e atletismo. E porque acreditou — com a ajuda do treinador belga Matthew Bouckhuyt — que a intensidade de um podia reforçar a disciplina do outro. A vida dividida entre treinos, competições e aulas não lhe rouba o entusiasmo. Pelo contrário. Ainda hoje, o futebol é tão presente como o tartan. Joga como ponta-de-lança nos sub-19 do KM Torhout e continua a sonhar com golos. Mas é na pista que vai tentar deixar marca.
“Ainda gosto muito do futebol, mas o atletismo tem crescido muito nos últimos dois anos. Sinto que consigo conciliar os dois, e o meu treinador apoia-me nisso. Não quero escolher já, vou continuar a dar o meu melhor nas duas modalidades.”
No dia 7 de junho, numa das provas mais conceituadas da Bélgica — o Putbosmeeting, em Oordegem — Tiago correu os 400 metros em 48,50 segundos. Foi ali que garantiu a marca que o confirmou como recordista nacional sub-18 de Portugal. Um feito histórico. E dias depois, em Beja, tornou-se também campeão nacional com as cores do Leiria Marcha Atlética Clube.
“Ganhar em Beja era um objetivo. E representar Portugal é um orgulho. Também sou português, não só belga. Esta convocatória tem um significado muito forte para mim.”
Foi federado pelo Leiria Marcha Atlética Clube, do Professor Carlos Carmino — o mesmo que, anos antes, treinara o pai. E é com ele que treina sempre que vem a Portugal. Sempre que a vida o traz à cidade onde está o seu clube de coração: o União de Leiria. A cidade que gosta de percorrer, de conhecer, de viver. E onde sabe que existe uma pista “muito bonita e boa”, digna de quem a pisa com sonho.
“Leiria tem um significado especial para mim. Gosto muito da cidade, e a Longra, na Caranguejeira, é onde guardo as melhores memórias da minha infância. Sinto-me em casa quando estou aí.”
Chegar à final no FOJE é o objetivo. Mas não é obsessão. Tiago sabe que o desporto se faz de metas e de memórias. E se por um lado quer competir bem, por outro quer aproveitar cada segundo da experiência. Para aprender. Para crescer. E, quem sabe, para dar orgulho a quem o vir correr de vermelho e verde.
“Quero dar o meu melhor e aproveitar cada momento. Sei que vai ser difícil, mas estou preparado. Vou tentar deixar Portugal orgulhoso.”
Dois países, duas línguas, dois mundos. Mas um só caminho: o dos 400 metros. Com o coração a acelerar nos dois sentidos.