Chegamos à sala de armas do Bairro dos Anjos, localizada no Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa. Uma dúzia de atletas joga à esgrima. Sabemos à partida que são quase todos adolescentes, mas também que entre eles está João Freire. Com máscara, arma, fato branco e agilidade de um jovem, torna-se difícil perceber quem é quem. Porque são uns 81 anos em grande forma, cheios de vida e histórias para contar.
É “uma paixão” que dura há quase sete décadas e persiste, ativa, no coração, no corpo e na mente deste Professor Catedrático aposentado do Instituto Superior da Ciência do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa. É, por isso, com “alegria” que vê chegar as quintas-feiras, dia de, ao final da tarde, fazer a meia hora que separa a pequena aldeia de Louçãs, em Ourém, de Leiria.
Antes de tomar conhecimento da existência da modalidade tão próximo de casa, “obrigava-se” a ir regularmente a Lisboa para poder matar o bichinho no Ginásio Clube Português. Logo que soube, falou com a coordenadora da secção criada em 2018, Carina Vicente, e voilà.
Agora, treina com os miúdos do Bairro dos Anjos, “a maioria raparigas”, todos eles com idade dos seus netos, promissores tenistas, com quem construiu uma relação de amizade. “Existe muito respeito e alguma curiosidade, porque percebem que ainda dou uns toques”, sublinha o sociólogo e escritor.
No total, praticam esgrima no clube de Leiria cerca de sete dezenas de atletas, cerca de metade dos quais oriundos da secção de pentatlo moderno. “Quando surgiu a possibilidade, em setembro, todos acharam um piadão ao facto de o João Freire fazer esgrima connosco. Ouvem os conselhos dele, porque ele percebe do jogo”, diz Carina Vicente.
E claro, mantém a competitividade intacta. “Se puder tocar não vai deixar de o fazer. Cria muitas ratoeiras e eles têm de encontrar resposta.”
Mas vamos ao início da história. O pai já tinha praticado e “havia umas armas lá por casa”, mas foi no Colégio Militar que abraçou a modalidade, com 12 anos. Rapidamente fez sucesso. Os anos 60 do século passado foram o período de maior “atividade e envolvimento”. Foi campeão nacional e disputou Campeonatos do Mundo e Jogos Mundiais Universitários.
Era, então, Oficial da Armada, mas por motivos políticos rumou a Paris, onde estudou e circunstancialmente chegou a ser operário fabril. Com o 25 de abril de 1974 regressou a Portugal e assumiu as funções de docente universitário, mas “não tinha disponibilidade” para a prática desportiva.
Em meados dos anos 80, mudou-se para Ourém, de onde era o avô paterno. É lá que continua a residir. Deslocava-se a Lisboa para lecionar, mas tinha mais tempo para os seus hobbies. A esgrima reentrou então na vida de João Feire, que continua a participar nas competições dedicadas a veteranos.
E que alegria é poder voltar a aplicar-se nesta modalidade, que considera tão especial por “dois motivos”. “Costuma dizer-se que é dos poucos desportos que aos 40 anos podemos enfrentar com vantagem um jovem de 20”, atira, entre sorrisos.
“Também há a questão da ética. O famoso touché, tradicionalmente, era dito por quem era tocado, que acusava o toque, e não por quem tocou. Era um cumprimento ao adversário. Ainda hoje se observa esse respeito.”
E pronto, está a terminar mais esta ida a Leiria com “hora marcada” e que faz com crescente prazer, impressionado com a qualidade dos novos colegas de equipa. “Gosto muito. Está a ser muito agradável. Tenho uma vida intelectual ativa, mas sinto falta disto. Treino bem, contrario a vida sedentária, vou cansado para casa e sinto-me melhor no dia seguinte.” E lá vai ele, acompanhado pela esposa, de volta a Louçãs. Para a semana há mais!
João Cruzeiro
17 Dezembro, 2023 @ at 12:51Caro camarada e amigo, folgo em ver que continuas operacional. Boa saúde. Abraço
Antonio Abreu
17 Dezembro, 2023 @ at 13:13Foi com imenso prazer e muita amizade que soube desta tua actividade em Leiria
Bernardo Ayala
17 Dezembro, 2023 @ at 13:47Caro João,
Como te conheço há 70 anos e sei o teu gosto pela esgrima, desde muito jovem, não fico nada admirado pelo texto que acabo de ler. Fico sim, muito orgulhoso por continuares a praticar esse”jogo” com o mesmo entusiasmo de sempre.
Acho que o fazeres agora com jovens da idade dos teus netos é ainda mais gratificante.
Contigo eles vão não só aprender a serem melhores atiradores como melhores seres humanos.
Grande abraço,
Bernardo
Frederico Fonseca Santos
18 Dezembro, 2023 @ at 19:25Caro João Freire
Bela entrevista/reportagem !
Um exemplo para aqueles que pensam que o desporto é só para os Jovens. E uma bela página de propaganda para a Esgrima
Um grande abraço
Miguel Cardoso
19 Dezembro, 2023 @ at 22:50Touché!!!!!
Clara Vieira
3 Janeiro, 2024 @ at 14:42Força Dartagnan. Estamos contigo!