Foram dias e dias sem fim. Durante “quase um ano”, Ricardo Nogueira encaminhou-se para o parque de street workout, no Percurso Polis, mas nunca teve coragem de parar.
Depois de ter começado a treinar no estendal da roupa lá de casa ouvindo as dicas de um amigo, sentia que precisava de dar o passo em frente.
“Só que chegava à ponte, via muita gente e como não me sentia confiante, voltava para trás, porque achava que não sabia fazer as coisas.” Não há outra palavra: era “vergonha”, mesmo.
“Cheguei a estar sentado naquelas escadas, cheio de vontade, mas não tinha coragem.”
Começo a perceber quais eram as horas a que a estrutura municipal do Jardim do Carpalho, localizada por detrás do Edifício 2000, estava desocupada para poder tentar.
Às sete e meia da manhã, ao fim de semana, lá estava ele na estrutura fundada de fevereiro de 2020. Decidiu arriscar, rapidamente começou a ganhar confiança e a publicar “umas coisas” nas redes sociais.
BarBarons
Foi então que André Rodrigues, fundador dos BarBarons há oito anos, o grupo de calisténicos de Leiria, o convidou para treinar com ele.
Rapidamente Ricardo Nogueira percebeu que estivera enganado aquele tempo todo. Naquele grupo, a simpatia é proporcional aos músculos.
Foi “o André, o Mário, a Cátia” e tantos outros que lhe começaram a dar umas dicas. “É malta fixe. Ninguém quer ser melhor do que o outro. Só querem fazer umas coisas e aproveitar.”
Cátia Ferreira é uma das meninas do grupo, concorda em absoluto. “Rapazes e raparigas? Tratam-nos por igual. O pessoal ajuda, aceita, não julga. É muito bom esse espírito. É muito acolhedor.”
Estes meninos levam o corpo a fazer coisas muito para lá dos limites imaginados para oo comum dos mortais. Falamos de bandeiras humanas, de pinos, de pranchas, de muscle-up, de front lever, de back lever, mas também outros mais dinâmicos, como piruetas. O melhor mesmo é ver as fotos.
Estas são apenas algumas das acrobacias praticadas pelos BarBarons, os “barões das barras”, que juntam, num só movimento, força, flexibilidade e resistência física. Mas, para lá chegar, é preciso muito treino.
Quando começou, fez em junho um ano, Ricardo “só conseguia fazer duas elevações na barra”. Não tinha tradição de ginásio e a única modalidade que tinha praticado fora futebol. Agora, até as tais bandeiras faz.
Só por isso está justificada a escolha pelo street workout. “O que posso querer mais? Estou descalço, em tronco nu, ao ar livre e com um grupo espetacular.” Além de ser gratuito, claro.
Em Leiria há um parque, “brutal” por sinal, mas o bom da calistenia é que pode ser executada em qualquer lado, pois trabalha-se apenas com o peso do próprio corpo. “Não há halteres. No ginásio muda-se o peso. Aqui, muda-se o exercício”, explica André Rodrigues.
A motivação? Para uns é a superação pessoal. “A primeira vez não sai. A segunda não sai, mas vai chegar um momento em que tem mesmo de sair”, explica.
Outros, como Simão Esteves ou Eva Ferreira, querem mostrar o que valem e qualificaram-se para o Campeonato Nacional de Street Workout, que se realizou em Samora Correia, no dia 30 de julho de 2022.
E correu tão bem que ela se sagrou a primeira campeã nacional feminina da história.
Como começa?
O ponto de partida para chegar à modalidade, por norma, não varia muito. A Simão Esteves e a André Rodrigues aconteceu exatamente o mesmo, mas em períodos de vida diferentes. Viram um vídeo de algum calisténico consagrado a fazer um exercício, ficaram entusiasmados e quiseram replicar.
“Vi que era difícil, mas treinei até conseguir. E assim nasceu o bichinho. Depois foi ver a evolução. A cada mês fazia mais qualquer coisa. Vermos que estamos a evoluir dá-nos vontade de continuar”, diz André Rodrigues, um dos primeiros a aderir à modalidade na cidade, estava então na tropa.
“És tu contra tu e tens de te desafiar todos os dias”, concorda Simão, de 22 anos e com seis de prática. “A outra parte do desafio, que também me excita, é mostrar aos outros o que consigo fazer”
Com tanto esforço e dedicação diários acabam por, inadvertidamente, ser um ponto de espetáculo incontornável para quem passa pelo Percurso Polis. Mais importante, são, também, uma fonte de inspiração.
“Uns não ligam, mas há pessoas que param, que gostam de ver. Alguns metem conversa e dão-nos os parabéns. Temos um senhor com quase 50 anos que começou assim.”
Jardim do Carpalho