Um dia, alguém lhes chamou "os últimos filhos do pó". E já não havia, de facto, outros futebolistas como eles no concelho de Leiria, os derradeiros praticantes do pontapé na bola no seu estado mais puro.
Os anos passaram, os relvados sintéticos tornaram-se absolutamente vulgares por todo o lado, mas nos Parceiros, às portas da cidade, persistia um grupo de intrépidas crianças que encaravam o pelado, o pó, a lama e as poças de água com um sorriso nos lábios.
Os pais queixavam-se desta interpretação de futebol no estado mais puro. "A maioria dos miúdos entrava diretamente nos carros, que ficavam uma lástima. Depois era a entrada dos prédios, os apartamentos, deixavam um rasto atrás deles" conta Ricardo Cristóvão, presidente há um mês do Núcleo de Futebol Infantil e Juvenil de Parceiros.
“Chegava ao ponto de a roupa ter de ser lavada antes de ir para a máquina porque vem cheia de saibro”, contou-nos uma mãe.
A verdade, porém, é que também sentia a felicidade estampada no rosto quando o filho jogava naquelas condições.
Ricardo Cristóvão é pai do Simão, que joga na Bola Tangente há três anos e que "adorava o pelado em dias de chuva para se sujar e andar no meio da água". Como ele, tantos outros.
Jogar ali até podia ser sinónimo de joelhos esfolados, mas também de uma diversão ímpar. Garantem que não havia prazer maior do que estar naquele campo quando chovia, terminar a partida “com lama da cabeça aos pés” e o equipamento completamente sujo.
Até que, no final do ano passado, as máquinas entraram no campo de futebol. A Junta de Freguesia dos Parceiros arrancava finalmente com as obras para ser colocado um relvado sintético.
Os miúdos passaram os últimos meses a treinar em pavilhões e ringues enquanto aguardavam a conclusão da empreitada, até que esta quinta-feira puderam finalmente pisar o tapete fofo do campo de futebol dos Parceiros.
E foi vê-los, de sorriso nos lábios, a atirarem-se para o chão, a rebolar pela relva, a brincar com a borracha. "Foi muito engraçado. Notaram uma diferença doida e estão radiantes", sublinha o presidente.
Diogo Bártolo é o responsável técnico do clube e considerou o momento "emocionante". "Impressionado" com o que viu, sabe que esta nova realidade vai obrigar a mais e melhor organização por parte da Bola Tangente.
Na época passada, o clube não tinha mais de 40 futebolistas dos três escalões etários até os 11 anos - benjamins, traquinas e petizes - a maioria alunos do Centro Escolar dos Parceiros, mesmo ali ao lado, mas esta quinta-feira já apareceram mais de 50 miúdos.
"Foi espetacular. Apareceu muita gente nova e provavelmente vamos ter de abrir mais escalões. Ainda por cima, somos um clube que tem como objetivo proporcionar a prática desportiva com o mais baixo custo possível. Os pais têm de pagar a mensalidade de 20 euros, mas nós oferecemos os equipamentos de treino e de jogo. De certeza que ainda vai aparecer mais gente."
A obra ainda não está concluída. Falta a intervenção no balneário, no bar e no ringue, mas não há dúvida: aquele espaço já é outra loiça. E há que ser realista: "a mudança para um sintético vai permitir melhorar as condições de aprendizagem."
Terças e quintas-feiras, às 18:30 horas. Quem quer experimentar a nova vida da Bola Tangente?
Campo de futebol dos Parceiros