Tinha acabado de vencer um encontro e aguardava pelo próxima adversária. Apesar de ser difícil concentrar-se devido à adrenalina resultante de estar a jogar um torneio de dificuldade máxima em Portugal, Matilde quis aproveitar aquela pausa para estudar.
“Tentei”, diz. Não conseguiu. Teve 30 minutos com os livros à frente, até que foi chamada para defrontar a ronda seguinte rumo à primeira vitória numa competição de nível A, em Setúbal. Naturalmente, teve de guardar os cadernos e esperar por uma próxima oportunidade.
Esta é a (difícil) vida de alguém que quer conciliar os estudos com o desporto de alta competição. A carga horária nesta carreira dual é elevada, as pausas são reduzidas, mas “tem de haver tempo para tudo”.
“É complicado estudar e saber que vou jogar a seguir, com a ansiedade e os nervos do jogo não gosto de fazer as duas coisas ao mesmo tempo, porque sinto que não me consigo concentrar nem numa coisa nem noutra”, sublinha Matilde Parreira.
A tenista, de 15 anos, é uma das melhores da sua idade e espera ter uma longa e feliz carreira desportiva. Mas também sabe que esse trajeto pode, ou não, ser bem sucedido. Precisa, pois, de um “plano B”.
É aqui que entra a Unidade de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE). Trata-se de um programa que, na região de Leiria, está instalado na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira (ESALV), onde apoia 38 atletas-atletas, inclusive a nossa tenista vencedora.
“Ajuda-me a conciliar os estudos com os treinos, o que antes não conseguia, pois não podia faltar às aulas ou a testes para realizar estes torneios mais importantes”, sublinha a (boa) aluna do 10.º ano.
Para resolver o que fica pendente, fala “com os professores das várias disciplinas para conseguir recuperar a matéria”.
“Sempre que tenho competição e calha em dias que tenho testes, também existe abertura dos professores para remarcá-los”, prossegue a jogadora do Racket Sports Club de Leiria, que já tem uma carga de três horas diárias de treino, entre ténis e físico.
Foi precisamente o treinador, André Lopes, que alertou os progenitores de Matilde para esta possibilidade que os desportistas em Portugal, entende, “devem tentar seguir”.
“A dificuldade em conciliar os estudos com o desporto faz com que, muitas vezes, tenham de optar muito cedo por uma das duas vias. Os pais – e muito bem – querem sempre que terminem o seu percurso escolar e as UAARE veem dar um empurrão muito grande na jovem carreira destes atletas.”
Foi na ESALV que encontraram um bom aliado para contornar as dificuldades de agenda, as faltas aos testes, a matéria perdida e a ansiedade daí decorrente. “O professor acompanhante – Pedro Jorge – é super preocupado, atento e antecipa os problemas. É algo a que não estamos habituados e que faz toda a diferença. A Matilde percebeu que o mundo não acaba, que as pessoas estão prontas para ajudar e que há flexibilidade.”
O pai, João Parreira, não podia estar mais contente com a tomada de decisão familiar. “Temos estado vigilantes e o projeto funciona. Têm uma psicóloga incrível (Ana Rita Almeida) que faz um acompanhamento excelente. Vai verificando as notas, se descem chama-nos, vê onde os alunos têm dificuldade, combina reuniões com os pais e vai insistindo no apoio extraordinário. Encaixa perfeitamente no que queremos. A Matilde está satisfeitíssima por lá andar.”
Criado em 2016/17, o programa UAARE tem como objetivo possibilitar a conciliação com sucesso das atividades escolar e desportiva por alunos do ensino básico e secundário enquadrados do regime de alto rendimento de acordo com os critérios da federação da respetiva modalidade, mas também ligados a atividades artísticas com currículo relevante.
Pressupõe uma articulação eficaz entre a escola, os encarregados de educação, os municípios e as federações desportivas e seus agentes. Atualmente, abrange mais de mil alunos de 23 escolas em todo o território nacional.
Possibilita um horário escolar compatível com horário de treinos, apoio psicológico, a justificação de faltas e remarcação de avaliações nas ausências por motivos desportivos ou artísticos, apoio na sala de estudo e um acompanhamento personalizado por uma equipa especializada.
“Costumo dizer que é o mesmo que ir para o ginásio com personal trainer ou sem personal trainer. Faz toda a diferença. Para estes alunos, o tempo é um bem escasso e nós temos de ajudá-los”, diz o professor acompanhante, Pedro Jorge.
Em Leiria, a ESALV integrou o projeto no ano letivo 2019/20. Quer “chegar ao máximo de alunos-atletas da região que possam ter condições para chegar a este programa”, enfatiza o responsável, garantindo que “estes alunos têm lugar garantido na escola”. O processo de inscrição no programa, esse, deve arrancar em junho.
Entre os alunos-atletas inscritos na UAARE, a maioria bailarinos do Conservatório Annarella, quase todos deslocalizados, oriundos de sete países e de outras regiões do país, mas também há nadadores, judocas, andebolistas e tenistas. O objetivo é apoiá-los nas várias vertentes da sua vida, sejam académicas, desportivas ou pessoais.
“O nosso trabalho abrange várias áreas. Ao nível académico incentivamos o prosseguimento dos estudos. No plano desportivo, intervimos em problemáticas decorrentes da elevada pressão para o desempenho, por exemplo, mas também na vertente pessoal, com os problemas do dia-a-dia. Temos especial atenção com os alunos deslocalizados, facilitando a sua integração na comunidade”, explica a psicóloga, Ana Rita Almeida.
No fundo, para a ESALV, é “prestigiante” ser uma escola UAARE, a única do concelho, uma de duas em todo o distrito, mas também um “grande desafio”, admite a diretora, Celeste Frazão. “Temos o privilégio de conceder a oportunidade a estes alunos de poderem apostar nas duas vertentes. Alguns, provavelmente, teriam de desistir. Mas aproveitam o pouco tempo que têm e conseguem resultados excelentes. Eles são fantásticos e o nosso orgulho.”
Saiba tudo sobre a UAARE da ESALV aqui.