Gonçalo Ferreira, o Monte Branco, as armadilhas de corpo e mente e a vontade de lá regressar

Já passaram alguns dias desde que Gonçalo Ferreira terminou o Ultra Trail du Mont-Blanc (UTMB) e a participação continua a não sair-lhe da cabeça. E se nas primeiras horas colocou uma cruz na corrida de trail running mais prestigiada do mundo e garantiu que lá não voltaria, mas agora já pensa em como voltar e com que objetivo.

É assim, cheia de magnetismo, esta prova criada em 2003, vista como o derradeiro teste à força mental e à resistência , que se “entranha” na alma dos atletas. O UTMB é um desafio de 171 quilómetros e 10 mil metros de desnível positivo em torno do Monte Branco, com partida em Chamonix e que passa por Itália, Suíça e França.

“Superar os limites do corpo” e a capacidade de resiliência quando o corpo lhe pede para parar fazem com que, sempre que entra neste tipo de desafio, o leiriense se sinta um homem diferente quando corta a meta. Desta vez, naturalmente, não foi exceção.

Até porque esta é uma corrida sem igual, que transcende o desporto, um sonho que poucos conseguem cumprir, não só porque é preciso currículo, mas também sorte, porque há centenas de milhares de candidatos e muito poucos lugares.

O atleta dos Liz Runners, tinha três objetivos para cumprir. O primeiro era terminar, o que conseguiu. O segundo era não se lesionar, o que também cumpriu com sucesso. Só falhou o terceiro, que passava por completar a distância em menos de 33 horas. Demorou 37 horas e 45 minutos a cumprir a distância, com alguns problemas físicos, mas o mais importante estava alcançado.

 

Antigo futebolista a quem uma lesão grave coarctou a carreira, Gonçalo Ferreira é um filho do Polis. Foi quando inauguraram o percurso que corta a cidade pelas margens do Lis que também ele se viciou pelas corridas. Depois, também aderiu às Brisas do Lis Night Run, mas rapidamente sentiu que precisava de mais e foi-se metendo nos trails, na Reixida, nos Alvados e no Sicó, então a começar.

Hoje, tem cumpridas 12 provas acima dos 100 kms e o UTMB é, mesmo, o topo do mundo. Aqueles 171 kms, que no GPS dele foram 174, colocam-no num patamar que poucos admitem sequer alcançar, uma aventura num “percurso excecional”, carregada por alguma neve e a “beleza estonteante das paisagens”.

“É uma prova brutal. Digo que é a final da Liga dos Campeões do trail. Estão lá os melhores dos melhores, o ambiente em Chamonix é incrível, o apoio durante a prova é maravilhoso e a organização é top”, explica Gonçalo Ferreira, feliz por ter conseguido ultrapassar as armadilhas colocadas pelo corpo e pela mente, ele que contou com o apoio dos amigos Lino Franco e Gildo Silva.

“Pensa-se em tudo e mais alguma coisa: na família, no trabalho, nos problemas, mas também como vou descer aqui e vou subir ali. Acima de tudo, temos lutas connosco, tentamos superar o nosso próprio corpo. Costumo dizer que morremos uma ou duas vezes, o cérebro começa a dizer que temos de desistir, que o corpo não aguenta, mas suplantamos as dificuldades e seguimos.”

Completado o UTMB, Gonçalo Ferreira tem o “menu completo”, não pode voar mais alto, mas é como tudo na vida: ninguém se importa de repetir um prato delicioso.

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