É a única atiradora de esgrima adaptada em Portugal. Se por um lado é “motivo de orgulho”, por outro leva a “alguma frustração”. Treina de forma afincada, é aplicada e muito focada, mas Sara Dias ainda não teve oportunidade de competir. Resta-lhe esperar que surja o primeiro adversário para poder, como tanto anseia, sentir a adrenalina.
Desde pequena que é absolutamente apaixonada por desporto. Sente que ocupa uma parte importante da sua vida, muito para lá dos benefícios que oferece ao seu bem-estar e não se vê, de modo algum, a ficar parada.
Até já tinha tido até uma experiência a jogar futsal num clube em Leiria, mas como os colegas de equipa eram mais novos, tinha sempre de ficar de fora quando os jogos oficiais chegavam. E era “muito chato”.
Há coisa de ano e meio, numa visita de estudo à sala de armas do Bairro dos Anjos, no Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa, fez-se luz. Percebeu que era aquilo mesmo que queria fazer e falou com a treinadora, que ficou tão entusiasmada quanto ela e logo encontrou uma associação que lhes emprestasse as cadeiras e respetiva estrutura. “Perguntou-me se eu queria ser a pioneira e eu claro que quis”, conta a desportista, de 22 anos.
Mas a esgrima é uma paixão antiga. Desde pequena que ficava fascinada quando tinha oportunidade de assistir à modalidade pela televisão. Era uma “delícia” observar os “movimentos da espada” e ao bailado gracioso naquele “toca e foge” entre os atiradores. Agora já é como eles, apesar de o fazer numa cadeira de rodas, a única forma como esta modalidade é praticada de forma adaptada.
É que apesar de ter uma vida absolutamente normal, o curso técnico superior profissional de Intervenção Sociocultural e Desportiva concluído e até a carta de condução tirada, Sara Dias tem uma paralisia cerebral (sepsis neonatal). “Afetou-me o lado esquerdo, mas consigo fazer tudo. Sou uma lutadora”, sublinha.
Nos treinos, compete com a treinadora ou com os colegas, que se sentam na outra cadeira de rodas para com ela jogar e Sara não esconde o orgulho de lhes ir roubando uns pontos e dar bastante luta. “Parece fácil, mas quando se sentam percebem que é difícil e muito diferente. Temos de movimentar o tronco para trás e para a frente. Também precisamos de ter alguma paciência para não sermos surpreendidos.”
Sara adora o que faz, mas o próximo fim de semana chega com um sabor agridoce, porque tem 12 colegas que vão participar no Circuito Nacional Juvenil, que se realiza em Leiria, e ela vai ficar mais uma vez de fora, a assistir.
“Eles vão fazer o torneio e eu não posso participar. Tenho o sonho de competir, para poder sentir a adrenalina, mas está complicado. Acho que a modalidade não é muito divulgada”, lamenta a única atiradora de esgrima em cadeira de rodas em Portugal.
Bairro dos Anjos
Faz agora quatro anos que a esgrima entrou no extenso quadro de modalidades abraçadas pelo Bairro dos Anjos. Os que ficam, garante Carina Vicente, é porque se apaixonaram pela modalidade, como Sara Dias, para quem a esgrima permite “explorar a amplitude de movimento e o controlo motor”.
“Costumo dizer, até aos pais, que há duas hipóteses. Ou se gosta muito e se quer ficar ou se acha engraçado, mas que não é para nós”, conta a responsável, que fez a formação específica em Inglaterra.
Mas dá para todos. Há miúdos “extremamente intelectuais” que abraçam a esgrima na tentativa de encontrar uma forma inventiva de ultrapassar o adversário, mas também aqueles “mais físicos” que tornam o desporto mais rápido e agressivo.
Hoje, pela sala de armas do Bairro dos Anjos passam cerca de 70 atletas. Duas dezenas fazem exclusivamente esgrima e cerca de meia centena fá-lo no âmbito do pentatlo moderno.
O que é a esgrima?
Desporto de combate descendente de técnicas ancestrais de utilização de armas brancas desde que o homem se conhece, a esgrima é atualmente uma das modalidades integrantes dos Jogos Olímpicos da Era moderna desde a sua primeira edição (1896).
Disputada em três diferentes disciplinas, correspondentes às diferentes armas existentes na modalidade (florete, espada e sabre) com regras próprias, cada assalto opõe dois adversários, frente-a-frente, sobre uma pista metálica com 14 metros de comprimento e um metro e meio de largura.
Independentemente da arma utilizada, o objetivo da modalidade passa por tocar no adversário sem ser tocado, sendo que, o vencedor de um combate de eliminação direta será aquele que for capaz de conquistar 15 pontos (15 toques) antes do seu adversário.
Além da vertente competitiva que tem nos Campeonatos de Mundo e nos Jogos Olímpicos o seu expoente máximo, a esgrima tem-se vindo a afirmar também como uma modalidade desportiva adaptada a todas as idades, podendo contribuir para a melhoria da coordenação motora, preparação física, capacidade de concentração e destreza técnica e mental de todos os seus praticantes.