A bola vermelha desce pela calha e, lentamente, aproxima-se muito da branca. Tanto, que quase fica colada.
“Boa!” Ana Sofia Costa não esconde o entusiasmo pela jogada espetacular que acaba de executar.
O adversário, digno de respeito, tenta colocar as suas bolas azuis mais próximas do alvo, mas a rapariga da Maceira não lhe dá hipótese, engendrando uma estratégia e protegendo com as outras bolas vermelhas um quadro que lhe é favorável.
É verdadeiramente impressionante e só quando alguém assiste a um jogo de boccia a este nível pode ter a noção da intensidade, da competitividade, da habilidade e do elevado grau tático presentes.
É que estamos perante alguns dos melhores jogadores do mundo e este desporto não tem qualquer segredo para eles.
Ana Sofia Costa, presente nos Jogos Paralímpicos do ano passado, em Tóquio, é uma delas, tanto que acaba de vencer a Taça do Mundo, no Brasil.
Regressada a Portugal, disputou durante o passado fim de semana o Campeonato Nacional em casa, mais concretamente no Pavilhão Desportivo Municipal dos Pousos, e queria muito levar a medalha de ouro para casa.
Não foi assim que aconteceu. Ganhou bem mais do que perdeu, é certo, mas numa competição muito aguerrida, acabou por ter de se contentar com a medalha de bronze.
Sempre acompanhada por Celina Gameiro que, sem poder falar nem olhar para o campo, lhe vai colocando a calha e a bola nas posições que pretende, a número cinco do ranking mundial BC3 acabou por estar menos inspirada. Há dias assim.
“A este nível, mais do que treinar mandar as bolas, o que interessa é como se estuda e lê o jogo, e o que se vai fazer a seguir”, diz-nos David Henriques, treinador e professor no Centro de Apoio a Deficientes Profundos João Paulo II, em Fátima, onde Ana Sofia Costa reside.
Ela é uma verdadeira atleta de alta competição. Treinos bi-diários de hora e meia, exatamente metade do tempo que o Centro tem disponível para a modalidade. Os outros atletas têm direito à outra metade, conta o treinador.
Também Celina Gameiro não é profissional e tem de exercer outras funções na instituição, já que não está apenas responsável por cuidar e auxiliar a atleta. Se estivesse a tempo inteiro? “Seria melhor, naturalmente.”
É nesses treinos que David Henriques tenta reproduzir várias possibilidades do que pode acontecer no jogo, “mas em competição surgem sempre situações imprevistas”.
Acabada a competição, Ana, Celina e David ficaram com a sensação que “podia ter corrido melhor”. “Foi frustrante termos trabalhado tanto e as coisas não terem funcionado como esperávamos. Devíamos ter tomado melhores opções, mas faz parte, é mesmo assim, e os dois primeiros lugares foram merecidos.”
Ana Sofia Costa, que nasceu com uma distrofia neuromuscular que lhe retirou a capacidade de andar no final da infância, garante que não sentiu pressão por estar a jogar em casa. A verdade é que, acabada de conquistar uma medalha internacional, “todos lhe querem ganhar”.
Ainda por cima, a concorrência é forte, composta por vários atletas paralímpicos, e o “equilíbrio é grande”. “Qualquer um dos oito podia ganhar e qualquer um podia ficar em oitavo”, assegura.
A competição em Leiria juntou 76 atletas de 20 clubes: a nata do boccia em Portugal, inclusive com líderes do ranking mundial, como Cristina Gonçalves, a melhor entre aqueles que competem com paralisia cerebral.
Nada acabou aqui e para continuar a evoluir, Ana Sofia Costa e David Henriques estão a pensar na aquisição de uma nova calha, “ainda melhor”, que custará três mil euros.
“É tudo muito caro. Um set de bolas asiáticas adequado à categoria dela custa mil euros. O capacete foi 200 euros.”
A competição assim exige, até porque há outros prémios para conquistar. De 4 a 11 de julho estará na Póvoa do Varzim, em mais uma Taça do Mundo. “Antes não era vista como candidata, mas agora já é”, atira o treinador.
Em Dezembro deste ano, no Brasil, Ana Sofia Costa, de 25 anos, terá o Campeonato do Mundo, mas a grande meta está em Paris, em 2024, ano do regresso aos Jogos Paralímpicos. Então sim, mais experiente, será capaz de tudo.