Pedro Costa: “Ainda há várias barreiras que os surdos têm de enfrentar para ter acesso ao desporto”

Os Jogos Surdolímpicos arrancam esta segunda-feira, no Brasil. Na mais importante competição desportiva internacional para surdos, a comitiva portuguesa é liderada por Pedro Costa, leiriense de 44 anos e funcionário da autarquia. Também é arbitro de futebol, tendo dirigido jogos em Mundiais, Europeus e Liga dos Campeões para surdos. Com essa função, de resto, também esteve presente na edição dos Jogos Surdolímpicos de 2017. O também presidente da Associação Portuguesa das Associações de Surdos chefiará a missão lusa de 12 atletas com o objetivo de atingir a excelência.

Pedro Costa é um leiriense de gema.

Sim, nasci na cidade e faço parte de um família leiriense com várias gerações de surdos. Também é lá que tenho os meus amigos, colegas e as várias instituições que apoio. Fui presidente da Associação Portuguesa de Surdos de Leiria, onde joguei futsal, e apoiei a comunidade surda de Leiria. Trabalho na Câmara Municipal de Leiria desde 2000, onde sou assistente técnico no Departamento de Gestão Urbanística.

O desporto é uma paixão.

Sim, desde muito cedo. Desde sempre que me lembro de gostar desporto. Na escola que frequentei, o Instituto Jacob Rodrigues Pereira, em Lisboa, o meu interesse aumentou. Tinha um grupo de colegas e todos os dias após as aulas jogávamos futebol. Também gostava muito de natação e karaté, mas o futebol era o meu desporto preferido. Desde 1992 que estou ligado à modalidade, como jogador, como treinador e como árbitro. De 2001 a 2005 joguei na equipa de surdos de Leiria no campeonato distrital de futsal. Depois, como treinador da mesma equipa estive de 2005 a 2007, ano em que a equipa acabou a participação no campeonato por motivos financeiros. A partir daí comecei a minha atividade como árbitro que ainda mantenho.

Mas porquê a arbitragem?

Em 2004 tomei a decisão de avançar para o curso de arbitragem, porque era uma área que me interessava: observava as suas funções e se tomavam boas ou más decisões. Também me interessava mostrar que os surdos têm condições para exercer as funções de árbitro como qualquer pessoa ouvinte. No campo e no desporto não existem diferenças e todos somos iguais: o jogo é importante para todos.

O facto de ser surdo de alguma forma o impediu de chegar mais longe?

O meu sonho era ser árbitro nacional. Houve um ano em que fiquei em primeiro lugar na classificação de quadro de árbitros da Associação de Futebol de Leiria (AFL) e o Conselho de Arbitragem chamou-me para uma reunião sobre a subida ao quadro da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Foi um dia muito complicado para mim porque não me deram boas notícias, já que na altura não era possível a subida de escalão por ser surdo.

Já é possível?

Sim. A FPF já mudou as regras e está disponível para que qualquer pessoa entre no seu quadro, desde que cumpra os regulamentos. Continuo no quadro da AFL e estou muito feliz por esta colaboração, mas já não posso subir, porque estou mais velho. Mas fico muito satisfeito com esta mudança e espero que outros surdos possam entrar.

A prática desportiva pelos surdos ainda é muito condicionada e discriminada?

Ainda há várias barreiras e obstáculos que os surdos têm de enfrentar para ter acesso ao desporto. Falta sensibilização e consciencialização para a realidade dos atletas surdos e para as suas capacidades e potencial. A realidade é que a maioria dos clubes ainda não está preparada para receber os jovens atletas surdos. Não são ainda asseguradas, por exemplo, as condições plenas de acessibilidade em Língua Gestual Portuguesa.

Como encara este convite para liderar a comitiva portuguesa aos Jogos Surdolímpicos?

Sinto-me muito orgulhoso! Mas o principal é que todos os atletas e treinadores, que tanto trabalham há pelo menos cinco anos para conseguirem os seus objetivos, possam honrar Portugal com a sua prestação em Caxias do Sul. E que possam também corresponder ao empenho do Comité Paralímpico de Portugal que faz a gestão do Programa de Preparação Surdolímpica e assegura a organização desta Missão Portuguesa. Assumi ser o chefe da missão surdolímpica e sei que é uma responsabilidade importante: quero trabalhar junto de todos para atingirmos os nossos objetivos. É muito importante reconhecer o esforço e o trabalho dos atletas e eu quero trabalhar em conjunto com eles.

Quais são os objetivos para Caxias do Sul?

Enquanto equipa surdolímpica, temos alguns objetivos gerais importantes. Queremos as melhores classificações possíveis com recordes pessoais e nacionais, mas também promover valores como o respeito, a responsabilidade, o esforço, a luta, a paciência, a dedicação, a alegria, a conquista, a ética, a solidariedade e a entreajuda. Não menos importante é promover a excelência desportiva de Portugal e o potencial dos atletas portugueses. Por fim, ser uma família surdolímpica.

Foto: Paralímpicos

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